El chico


Ricardito, como eu gosto de chamá-lo, é só uma forma de conferir um “quê” mais latino à imagem de meu amigo Ricardo, que de tão caribenho, tão cucaracho, poderia facilmente se chamar Gonzalez (pronunciado aqui com toda a melodia e sensualidade dessa delícia sonora que é o sotaque castelhano).
Como bom sulamericano, portanto, mi compadre declarou guerra ao barbeador. E como típico barbudo, fez da anarquia sua filosofia de vida. A revolução era sua religião, o manifesto comunista sua bíblia, Marx, Engels e Saint-Simon a santíssima trindade... O reformismo era seu deus.
Para Ricardito não existia cultura – apenas contracultura. Era a música suja e carregada de Janis Joplin que melhor embalava sua vida. Como remanescente da geração beat, naturalmente, iria sair de mochila nas costas para fazer amor com o mundo. Literalmente. Apenas salientando sua ideologia de amor livre (ou pura e simples cafajestagem).
Seguindo a lógica, é fácil imaginar a definição do rapaz sobre vencer na vida. Bem distante de diploma, carro do ano, família e animal de estimação, obviamente. Ricardo achava medíocre o padrão de felicidade da classe média. “Mente pequena essa dos telespectadores da rede globo” – palavras do ilustríssimo.
Mas existe um outro traço da personalidade de Ricardito que dispensaria quaisquer outras descrições sobre seu ser: meu amigo era um amante excepcional. Fazia sexo como um maestro rege sua orquestra, tinha nas mãos a destreza de um músico, a habilidade de Hendrix com sua guitarra. Ele amava do jeito que só os latinos são capazes: com desejo lascivo, pulsante, com libido correndo nas veias ao invés de sangue... Com toda a intensidade dos trópicos. Foram dele os meus melhores orgasmos. Afinal, Ricardito fazia amor comigo com a mesma avidez que fazia revolução. A voz que sussurrava sacanagens no meu ouvido era a mesma que bradava nos sindicatos. Me penetrava com o empenho de um guerrilheiro.
Porém, contudo, entretanto (e infelizmente), meu barbudo tinha um defeito que foi determinante para extinguir a possibilidade dessa ser a história do nosso amor. Tratava-se de um romance de infância, desses que a gente acha que não vai dar em nada. Mas, veja só que ironia: hoje para ele esse romance é tudo.
A garota atende pelo nome de Mila, e somente uma combinação astrológica da lua em Áries em pleno ciclo sagitariano é que seria capaz de explicar o fascínio que a pequena despertava em meu amigo. Mila era a antípoda fiel de Ricardito, de modo que nem o sabido do Freud se dignaria a explicar como podia funcionar tão bem esse par.
Acontece que foi exatamente numa dessas exibições de perfeita sintonia, com Ricardito fazendo o que sabia fazer de melhor à meia luz, que eu vi sua vida mudar. De repente. De repente a brincadeira acabou. De repente pai. Mas tão de repente... Mãe, como lidar?
Foi o fim da ervo-afetividade, da barba-afetividade. Foi preciso mudar, esconder as tatuagens, procurar um emprego, parar de brigar com o sistema. Afinal, fralda é cara, e tem muitas delas para comprar.
E aí começa um ciclo. O dinheiro é curto: mamadeira, berço, remédio... Tem que entrar na faculdade, nego. Tem professor mala, tem gente fútil, tem chefe que enche o saco. Mas o sorriso do bebê deve compensar tudo. O futuro é consequência: formatura, cargo de chefia, carro do ano, apartamento de três quartos. Sonhos de classe média.
Ricardito virá a ser Doutor Ricardo. Sem barba, sem revoluções, sem sexo, drogas ou rock’n roll. Sem luta contra o sistema (sua preocupação diária, na verdade, é sobreviver a ele). Trocando em miúdos, meu revolucionário barbudo está morto junto com todos seus ícones de outrora. Doutor Ricardo, pelo contrário, muito vivo – o imposto de renda que o diga! A classe média chama de vencer na vida. Se tal vitória faria Mao Tsé-Tung dar mortal pra trás no seu mausoléu faraônico... Who cares?
Se Doutor Ricardo será tão bom de cama quanto Ricardito foi um dia, eu não posso concluir de um encontro casual na fila do supermercado. Mas a julgar pela quantidade de ração para cachorro e fraldas descartáveis no carrinho de compras, essa é uma dúvida que vamos todos levar para os nossos respectivos túmulos.
A única coisa que posso lhes afirmar é que sua utopia de mudar o mundo, certamente, o mundo se encarregou de mudar.

Es esa muchacha, que viene y que pasa Con su balanceo, camino del mar


Meu dermatologista falou que, mesmo em dias nublados, eu preciso usar protetor solar quando for sair. Queria aqui, por meio deste, pedir desculpas ao doutor, dizer que ele está exigindo muito de mim, e que, do fundo do meu coração, não posso mesmo seguir suas recomendações...
É que meu sundown tem cheiro de férias. E de verão na praia, marquinha de biquíni e brisa do mar.
É o protetor solar dos meus verões na Bahia, de todas nós morenas-apenas-de-verão que desfilamos nosso bronzeado pelo Porto da Barra, e dos baianos que “desse jeito não guentam não hein, mãe”!
Meu sundown tem o som de Bin fazendo axé com uma lata de lixo lá no Porto, como se fosse uma percussão. E, por falar nisso, como cantou Saulinho: entardeceu lá no Porto, palmas que já vem o sol...
Pôr-do-sol é um espetáculo que, naturalmente, pede sundown. Seja ao som do Bolero de Ravel na Praia do Jacaré ou na vibe surf da Praia de Pipa.
Ao som de Sambô na piscina do prédio com as primas; no banho de mangueira no quintal de tia Ni; nos finais de semana de frescobol na Aruana... Sempre tem sundown.
Que também tem gosto de chá mate geladinho e de água de coco na beira do mar. E manga com sal na AABB, e amigos reunidos na piscina e vôlei na graminha... Meu sundown tem cheirinho de janeiro.
Acontece que ainda é setembro e, com tanta nuvem carregada no céu e tanto trabalho da faculdade para fazer, passar protetor agora seria maltratar demais esse meu coraçãozinho solar. Uma crueldade digna de castigo nazista, um atentado violento à minha paz interior. Entende, doutor?, não é que eu não queria... É que eu simplesmente não posso.


Eu costumo ouvir as pessoas dizerem que ser mãe é padecer no paraíso – e é bem possível que seja mesmo verdade, não tenho conhecimento de causa para discordar. O que eu posso afirmar com certeza é que ser tia é dar um rolé periódico na residência do Santíssimo e voltar de lá com o estoque de ternura completamente reabastecido.
Sou dessas tias babonas mesmo, sabe? Apaixonada pela minha sobrinha!
Não sei se consigo externalizar o quanto a chegada de um serzinho assim pequeno e frágil alterou de maneira tão profunda a minha postura diante do mundo. E acredito que também não faça muito sentido para as pessoas aí fora como é que esse sentimento pode ser tão forte, tão pleno... Às vezes nem eu mesma entendo. Nem eu mesma sabia que podia amar tanto alguém!
Foi um amor que começou por tabela, como uma vertente do amor fraterno, como uma forma de retribuir àquela irmã querida anos e anos de admiração e gratidão. Mas foi um amor que não se contentou em existir apenas como sentimento terceirizado. Quando dei por mim ele já estava existindo por si só... Cresceu, se desenvolveu, tal qual um adolescente quando sai de casa, e só faz ficar mais forte a cada dia.
E é um sentimento que tem influenciado diretamente no tipo de pessoa que eu sou. Tenho vontade de ser mais correta, íntegra, de crescer enquanto ser humano para que possa servir de exemplo para Maria Eduarda. Tenho vontade de fazer deste o melhor mundo possível para ela viver.
E queria também poder protegê-la de todos os males dessa vida. Queria que ela não precisasse lidar com os apelidos chatinhos dos colegas da escola, queria que ela nunca sentisse a dor do primeiro amor não correspondido ou que nunca tivesse amigas falsas. Não queria também que ela passasse pela apreensão do vestibular nem pelo sofrimento de uma apendicite... E outros percalços eventuais.
Mas eu, FELIZMENTE, não posso nada disso. E ainda bem que não posso, porque são as dificuldades que ela vai enfrentar nessa jornada que vão ajudar minha menina a se transformar numa mulher.
Cabe a mim, portanto, ser para Duda um porto-seguro. Uma fonte inesgotável de amor e compreensão. Alguém que vai ajudá-la com os transtornos dessa vida. Acho que esse é o dever implícito no termo de compromisso das tias. E é um papel que eu aceito de bom grado, feliz até, e despretensiosamente. Só para ver no rosto da minha sobrinha um sorrisinho sincero – que daqui a alguns dias vai estar cheio de dente, a propósito!

Sua barba, uma arma pra me conquistar

Sua barba no meu corpo sambalança o meu coração também.


Parafrasear Benjor nunca fora tão oportuno. E as metáforas poderiam continuar a rodo, mas prefiro eu mesma com as minhas próprias palavras narrar os episódios que se seguirão. Como forma de reviver o passado. Como mecanismo para conter a saudade. Como um exercício de resgate das sutilezas.
Afinal, são as minúcias dos nossos encontros que fazem deles tão especiais. Explico: te ver depois de uma semana cansativa é ótimo, mas te cumprimentar com um beijo que é pura saliva e saudade é a parte extraordinária da noite.
E mais: gosto de passar muito tempo escolhendo uma roupa para sairmos. Mas gosto principalmente porque sei que, qualquer que seja, ela vai passar a noite inteira jogada pelo avesso no chão do seu quarto.
"Roupa pelo avesso não pode, Amália!" Já diria minha mãe. E toda manhã quando, depois do nosso banho, eu estou catando as minhas roupas, respondo a ela em pensamento que o que faz mal mesmo é adiar o prazer.
Não pode, é pecado, é crime. Infração gravíssima sujeita à mais rigorosa das penas do Código Penal. Absurdo digno do mais cruel dos castigos. Passível até de excomunhão, se católicos fôssemos. Não dá para adiar o prazer... É por isso que te chupo no escurinho do cinema.
E na rede.
E na cozinha.
E onde mais for possível.
Gosto de te sentir inteiro na minha garganta, de apreciar seu gosto como quem degusta um bom vinho. Gosto de sorver o seu suor.
E aqui eu poderia me estender durante horas falando só das nossas acrobacias na cama. Poderia tentar pôr em palavras a sensação de passar alguns segundos no céu, quando você me causa tremores. Poderia falar como eu gosto quando você puxa meu cabelo e fala sacanagem no meu ouvido... Mas é que eu gosto mesmo quando você me põe no colo e diz que adora fazer amor comigo. Gosto especialmente quando depois de uns bons tapas na bunda você me faz cafuné (gosto não, aqui eu me apaixono todas as vezes).
E me apaixono também pelo seu olhar semicerrado enquanto está dentro de mim. Pelo seu sorriso de canto de boca. Pelo seu maxilar rígido. Pelo ranger dos seus dentes.
Mas acho que me apaixonei mesmo foi pelo cara de camisa social que deitou na areia da praia comigo!
(Preciso dizer o quanto é apaixonante abrir meu email e ver que você parou de trabalhar por alguns minutos para se dedicar a assuntos do meu interesse?)
E a lista continua: extensa, minuciosa, apaixonante... Gosto da sua pasta de músicas que mais parece a minha. E gosto ainda mais quando posto Jack Johnson no facebook e você o escolhe para ser nossa trilha sonora. Gosto quando a gente ensaia uns passinhos de forró no banheiro. E quando, também no banheiro, você escova meu cabelo. Gosto de ouvir Nando Reis no dia seguinte e lembrar do seu cheiro, do seu corpo coladinho no meu.
Gosto de mais uma infinidade de coisas! E podia também agradecer por outra infinidade de coisas. Mas se eu puder agradecer por algo: obrigada por me inquietar. Obrigada por chegar, claro, e por querer ficar. Mas obrigada, sobretudo, por desarrumar meu mundo. Descobri que gosto do fato de não saber lidar com você. Gosto de não ter o controle.
Na verdade, eu gosto mesmo é de gente que arranca minhas certezas com a mesma urgência que tira minhas roupas!

I'm a dreamer, but I'm not the only one



Eu tinha um sonho.
Eu tinha o sonho de que um dia veria a população brasileira contestar a alienação das grandes emissoras. Eu sonhava que algum dia a minha geração iria se conscientizar das causas sociais. Eu costumava sonhar com uma multidão inquieta diante da injusta e corrupção que assola o meu país. Meu maior sonho, no entanto, era ver as pessoas saindo da internet e indo às ruas protestar.
Daí que ontem eu liguei a TV e vi que o meu sonho tinha se tornado realidade.
E a realidade tava linda de ver! Me encheu os olhos de lágrimas e o peito de orgulho ver tanta gente cantando junto o hino nacional fora de um estádio de futebol. Gente que me representa!
Os nossos anseios são muitos, não existe uma pauta precisa, e ainda é muito cedo para prever as conquistas reais de toda essa inquietude. Não existe uma liderança partidária, mas existe um ideal comum – é por ele que marchamos.
É por isso que quinta-feira eu também vou às ruas! Vou engrossar essas passeatas, vou estar lá representando todos aqueles que também acreditam que um país melhor é possível. Eu vou pra rua porque daqui a vinte ou trinta anos, quando os meus filhos estiverem estudando nos seus livros de história essa semana épica, vou poder contar a eles como é o verdadeiro exercício da democracia. Contarei a eles com a minha parcialidade de manifestante. Contarei como estávamos todos lá: em hashtag, comercial da Fiat e IDEAL, principalmente ideal!
Eu ainda tenho muitos sonhos, claro... Sou mesmo uma sonhadora. Mas não sou a única! Descobri que somos centenas de milhares de sonhadores nesse gigante que agora está acordado!


E eu ainda aqui com essa minha mania chata de mostrar um outro lado da moeda.
De ver o lado bom do que é ruim.
De enxergar colorido onde não tem.
Mania chata, insistente. Mania do copo meio cheio.
Mania de Maria.

E de tristeza vou viver Aquele adeus não pude dar




- Alô?
- Maria, Mosquito sofreu um acidente.


Ai eu devia acordar, beber um copo d’agua, ir ao banheiro e voltar pra minha cama, dessa vez para sonhar com coisas boas. Queria sonhar agora com um vestido colorido numa paisagem bucólica e jujubas, muitas jujubas.
Mas não era um sonho; eu não acordei. Eu não acordei (até agora) de um pesadelo angustiante.

Pedi um litro de realidade, mas não precisava, a realidade era aquela. AQUELA era a vida, em sua face mais cruel e obscura. Aquilo? Era simplesmente a vida acontecendo. E a vida é injusta, meu caro.
17 anos... Tantos planos!
Sabe, íamos ‘entrar juntos na faculdade, com fé em Deus’! Mas Deus é um cara gozador, adora brincadeira... Brincadeira de mau gosto essa.
23/05, segunda-feira, a polícia federal perdeu mais um delegado. E dos bons.

- Acabou pra você, delegado Mosquito.
E acabou muito antes de começar.

Para mim, um concorrente a menos.
Em mim, uma saudade a mais.

Não sei, Mosquitíssimo, não sei porque você se foi.

Sobre final de semana

A você que não sabe: felicidade vende no mercado.
Bem, tecnicamente não só nos mercados, mas eu asseguro que a fórmula mágica (nem tão mágica assim) poderá ser rapidamente encontrada nas prateleiras de qualquer merceariazinha de quinta.
Mas não pense que é só assim: achou, comprou. Não! Tome tento, leitor!, a felicidade tem seu custo – custo esse que vai um pouco além dos dinheirinhos $$$. Somente pagar e levar é demasiado simples para adquirir algo tão precioso. Aliás, se eu pudesse deixar um conselho para os meus próximos, seria para que desconfiassem sempre da facilidade. A vida não é simples e burro é o santo que não desconfia da muita esmola.
Pulga atrás da orelha nunca incomoda, como eu mesma já dizia.
E agora voltando à questão inicial, aqueles que buscam a felicidade precisam estar aptos a enfrentar a moral do sistema. E o sistema é foda, parceiro. Sua alegria despertará o julgamento alheio, portanto, não se intimide com a caretice e muito menos com as retóricas de lá provenientes. Os discursos éticos vão importunar, claro, mas seguir adiante é uma questão de coragem. Seguir adiante é conhecer a felicidade.
Não que não existam efeitos colaterais, mas eu prefiro não abordar essas questões secundárias.
Não que a felicidade engarrafada seja vitalícia, mas talvez o prazer esteja exatamente na sua condição de efemeridade.
Aliás não, estou certa de que o encanto reside na falta de memória, na beleza da vida e dos viventes não-belos. O encanto está no “slow motion”. É um tal de rir a toa, não porque a vida esteja boa, mas porque acredita-se que cada gargalhada será convertida em real. É estar num mundo paralelo, como se a sua vida estivesse acontecendo diante de você, expectador. É válvula de escape, promoção de listerine. “Compre felicidade engarrafada e ganhe auto-confiança, diversão, sociabilidade... etc”
A você que ficou interessado: cuidado!, felicidade engarrafada é traiçoeira que nem gente efusiva - a dica é manter distancia.