O segredo do homem que não parava de sorrir


Meu vizinho da esquina se chama Gil e não pára de sorrir há exatos trinta e oito dias. No começo, eu achava estranho...

Terça feira, seis horas da manhã, a caminho da natação, um frio de lascar. Gil, estampando no rosto um sorriso de orelha a orelha:
- Bom dia, menina!
Fruto de uma noite muito boa de sexo acrobata. Imaginei.

Indo pra escola, uma hora da tarde, sol a pino. Gil, estampando no rosto um sorriso de orelha a orelha:
- Boa tarde, menina!
A noite de sexo deve ter sido REALMENTE muito boa.

Seis e meia da noite, finzinho de tarde exaustivo. Gil, estampando no rosto um sorriso de orelha a orelha:
- Boa noite, menina!

Gil me intrigou. Ele sorria o dia inteiro. Sorria sem me ver, sorria só por sorrir. Sorria para o dia. E, principalmente, não exibia um sorriso afetado como quem simula felicidade. Ele realmente estava feliz e isso qualquer um podia afirmar só de olhar no fundo dos seus olhos. Seu sorriso era singelo e curioso, não enferrujado.
Dias desses, quando passei por Gil, estava acontecendo no player a transição de uma música para a outra. O som quase inaudível dos acordes chegando ao fim, uma pausa, e depois o aumento gradativo do instrumental. Podia jurar tê-lo ouvido cantarolar Belchior: “e o meu coração selvagem tem essa pressa de viver.”
Passei a pausar a musica logo que o percebia: a dez mil quilômetros de distancia. É que a sua felicidade tinha um cheiro forte. Ele realmente cantarolava! E tinha bom gosto musical... “românticos são poucos, românticos são loucos, desvairados.” Até ouvi um fragmento de uma conversa sua ao celular. Ele falava manso, de um jeito doce. Falava como um galanteador. E sorria. Sempre sorrindo, claro.
Mais obvio impossível! Gil estava amando e eu devia ter desconfiado desde o primeiro “bom dia, menina”. Gil, no auge dos seus cinqüenta anos, tinha encontrado um novo amor. Não é lindo? *-*
Ele me fez acreditar na sabedoria dos clichês. Nunca é tarde para amar. É clichê, mas é verdade. Posso ficar despreocupada e encostar a cabeça no travesseiro com a certeza que a tampa da minha panela está por aí, mesmo que demore um pouco para nos encontrarmos. Mesmo que já tenhamos nos encontrado. E nos perdido. Mas agora eu acredito piamente que ela está por aí. Talvez seja fumante, amargurado e cético. Ou não, talvez minha alma gêmea goste de rock psicodélico. Mas o que me importa é saber que ela está por aí e eu vou encontrá-la, mesmo com tantos desencontros e encontros errantes. Mesmo que eu me case com a pessoa errada e descubra isso no auge dos meus cinqüenta anos. Como Gil. Eu só desejo nunca deixar de acreditar. Desejo que a fadiga de meio século de vida não me impeça de amar e nem me faça perder a fé no que a vida tem de mais encantador. Quero poder me dar ao luxo do amor aos cinqüenta anos e amar tudo de novo, como uma pré-adolescente, como Gil. E para os que duvidam do amor, das revoluções, dos ideais... Minhas sinceras condolências. #indiretamesmo

7 comentários:

Camila Mancio. disse...

nossa, que texto lindo, realmente amei.
grande beijo.

gabi disse...

a fica 'meio feliz' com todo mundo, né?
igualzinho ao clipe LDN, da Lily Allen.

:**

tô esperando o esboço do layout, flor.

Bill Falcão disse...

Como eu sou da mesma época do Gil, posso afirmar que você tá certa, dona Maria!
Bjoo!!!

Maldito disse...

Gostei do estilo da narrativa...

douglas nascimento disse...

Belíssimo texto.
Pessoas que oferecem risos merecem ser admiradas. No dia-a-dia eu noto isso, as pessoas, no ônibus, no metrô, na rua... são sérias. Com jeito amargurado. Até eu, que sou brincalhão e tranquilo fico contagiado, fecho a cara e sigo adiante. Enfim, é muito ruim.
Mas nada é como no amor, né?
Só depois deste o homem começa a perceber que pouco basta. Que não importa a mercedez na garagem ou os apartamentos espalhados pela Orla. Só o amor já basta. E os sorrisos comtemplam isso.
Belíssimo texto.

Mari. disse...

A felicidade é o amor. Quem foi que disse o contrário, hein?? Heheh

Bj.

natalya siqueira. disse...

sim, sim, Mari, o amor é A felicidade. Seja o amor pelo mundo (?), pelo cotidiano, pelas pessoas, ou especialmente, por uma pessoa em especial. E essa, absoluta e inexplicável felicidade, é o melhor, e principal sintoma.
ah, e sobre os clichês. Eles só são clichês até passarem a fazer um verdadeiro sentido dentro de nós, até lá, são apenas asneiras até que se prove o contrário (: