Meus heróis estão morrendo de overdose

Sabe, hoje eu parei pra pensar de onde é que uma mãe tira forças para enfrentar a vida quando a morte vem fazer suas visitas. Como prosseguir com a rotina sem a sua menininha de apenas quinze anos?
Esse tipo de fatalidade, de tão brutal e repentina, inevitavelmente inibe até o melhor dos cristãos. E eu, que não sou nem cristã, fico, no mínimo, intrigada.

"Tão jovem, tinha tantos sonhos" – A vizinha.
"A minha garotinha" – Seu pai
"Apesar das brigas, eu amava ela" – O irmão mais novo.
"Minha melhor amiga" – Sua melhor amiga

Tomando o sentimento de cada um deles como pressuposto básico, o que os faz querer continuar? E quanto a mim, o que me faz apostar o restante das fichas neste Brasil tão miserável daquela criança que pede esmola na rua? No meu Brasil miserável de Bossa Nova e Carnaval.
Chico Buarque, inteligentemente, costuma me mostrar alternativas diante da hostilidade da vida. Cazuza e toda sua indisciplina me tentam a mudar o mundo. A contracultura me encanta e revolucionários barbudos que participaram do movimento que tentava instaurar o comunismo no Brasil me fazem acreditar em humanidade, justiça e todas essas outras coisas que mais parecem unicórnios, de tão raras que são. Como então não se sentir maravilhada ao ler “O que é isso, companheiro?” Cometi o pecado da gula me deliciando em cada uma daquelas palavras que, juntas, me mostraram de muito perto o que foi estar na ditadura militar de 64.
Fernando Gabeira, o autor, é um jornalista que narra seu infortúnio na luta armada contra o regime vigente em 1960. Neste período, ficou conhecido por fazer parte do seqüestro do embaixador norte-americano.
Tive curiosidade de saber o que Gabeira representava hoje para o país além de meu ícone de admiração. Atualmente ele é deputado federal do Rio de Janeiro e é conceituado por defender posições liberais em questões polêmicas, como a descriminalização da maconha.
Antes tivesse me contentado apenas com o seu passado.
Descobri que recentemente ele admitiu o uso indevido de suas cotas de passagens aéreas possibilitando que terceiros viajassem desfrutando do dinheiro público. Como justificativa, o deputado disse que não existiam regras claras para o uso das passagens. E, como se não bastasse, já ouvi dizer, em sua defesa, que o governo precisa oferecer as condições necessárias aos políticos para que eles possam exercer devidamente seus mandatos.
É nessas horas que eu me envergonho por permitir que um mero mortal seja capaz de despertar em mim valores tão grandiosos sobre si mesmo. O principio constitucional classifica como ilegal o repasse de bilhetes aéreos. Em questão de segundos o google me deu essa informação. Além do mais, viagem a caráter de lazer não me parece o tipo de condição necessária ao político para que ele execute com êxito seu oficio.
Fica difícil acreditar que o Brasil tem jeito. Foge dos meus limites de compreensão como quem lutou ao lado proletariado por uma sociedade igualitária se deixa corromper por um sistema econômico tão injusto.
Ou não, talvez eu só esteja sendo mais uma dessas pessoas intransigentes dominadas pela falsa moral.