Noites de boêmia...

Aquele pub tinha aparência ideal para a ocasião.
Era sexta-feira, era noite de sexta-feira, era mais uma noite de sexta-feira para ser comemorada. Mas não, aquela não era uma sexta-feira comum na qual as farras brindavam a chegada do final de semana e a despedida de mais estressantes cinco dias consecutivos de trabalho. Aquela era uma sexta-feira de melancolia.
No balcão, acompanhada de sua solidão e necessidade de sondar o pensamento de alguém sobre suas aleatoriedades, se sentiu tentada a conversar com o garçom, afinal, gostava mesmo de contar da sua vida aos desconhecidos.
- No que posso ajudá-la?
Sentiu-se impelida a respondê-lo com toda sinceridade acumulada durante a semana cansativa de trabalho, relevando o fato de aquela ser apenas uma pergunta típica e que a intenção era saber se podia servir-lhe alguma bebida. Um turbilhão de coisas passaram pela sua cabeça num intervalo curtíssimo de tempo (pelo menos parecia um intervalo curto, mas foi chamada para fora da sua mente com outra pergunta do garçom, o que induz ter sido um longo transe mental):
- Você está bem? Me parece distante, ham, atordoada.
- Ah, não se preocupe, são só as condições climáticas contribuindo para o meu estado espiritual. Dias chuvosos me remetem a fatos históricos que inspiram saudade.
- Ham, imagino... Mas, alguma coisa para beber?
Mas o que foi isso? Quanta indelicadeza! O miserável pergunta sobre a situação e faz pouco caso da sua resposta! Uma incontrolável vontade de insistir naquele desafogo tomou conta, e assim o fez.
- Uma chícara de café preto e forte! E oh, música romântica para acompanhar o barulho da chuva lá fora.
- Creio que não possa te ajudar, não servimos café aqui. Além do mais, não temos cds românticos por aqui. Talvez devesse ir no café alí da frente.
Claro que ela sabia que café não era o tipo de bebida característica do local, mas achara a oportunidade perfeita de encher o saco daquele estranho.
- É, realmente você não pode me ajudar, ninguém nunca pode. O mundo desaba sobre mim e ninguém pode me ajudar, todos se fecham. Mas pra que se importar com outra pessoa quando se tem uma vida prórpia pra resolver? Nunca ninguém está disponível para saber de mim, para me dar ouvidos e afagar os meus problemas. Dane-se se o príncipe encantado já esteja prometido à linda princesa do castelo vizinho, dane-se também se eu estou prestes a perder o emprego e as pessoas da minha família estejam envenenando-se uns aos outros. Dane-se a minha vida, não é mesmo?
Pobre garçom, sentiu-se tocado pela triste história da moça alheia, compreendeu a sua necessidade e ressentiu-se por sua indiferença, ele próprio obrigou-se a acalentar aquele ser perturbado.
Conversaram por horas a fio, ela contou-lhe sobre os seus medos, seus desejos íntimos e até suas fantasias sexuais. Os segredos mais secretos. Planos para um futuro promissor, amarguras do passado, felicitações passadas... só não falaram sobre o presente. Conversaram sobre personalidades, assuntos banais e até inconstancias da garota.
Uma, duas... seis doses de wísque! Pegou seu telefone e se despediu-se do rapaz com um perfeito e demorado beijo. Em vez de alcool (ou acompanhada do alcool) altas doses de felicidade no sangue.
No caminho de casa um sorriso bobo típico de quem encontra o príncipe encantado. E de repente, como num piscar de olhos, ela adquiriu a sobriedade tão procurada no início da noite, olhou pro cartão com os telefones do garçom e decidiu que não queria mais princípes encantados, estava grandinha demais para contos de fadas.
O vento então levou o cavalo branco que traria o seu belo amado, pedaços de um papel rasgado passaram a vagar pelas ruas da calçada molhada.

9 comentários:

Anônimo disse...

Uma senhora crônica.
está de parabéns, sério mesmo.

me transferi para esse bar,pude sentir as aflições dessa moça, e até o garçom consegui visualisar.
perfeito.

Paloma Pajarito disse...

Humm... se essa história aconteceu mesmo, devo te dizer que realmente pode-se cansar de príncipes encantados, mas desistir deles não é muito legal. :P Beeem depois de 'tudo' você percebe isso! Hehehehe.
Sobre o "Nostalgia", lá no meu blog... pior que eu adoro essa palavra! ;P E foi muitíssimo doce encaixada naquele texto! :)

Lucas disse...

Garçom, aqui nessa mesa de bar, é impossível saber o que vai acontecer.

:)

Lorena Morais disse...

Às vezes a gente sente a necessidade de que as pessoas percebam que nós precisamos de ajuda. A gente força perguntas para respondermos aquilo que nos aflinge.
Admirável narrativa, garota.
A propósito, a aparência do seu blog é fantástica!
Me apeguei aos detalhes.
Beijos

Ana Paula Borges Pereira disse...

Ah...mas ela podia ter guardado o número dele!hehe
Eu tmb n quero mais principes encantados...

Nathália E. disse...

Príncipes encantados, pra longe de mim. Hahaha

lagartaandante disse...

Me diz onde fica esse bar?
Maravilhoso texto!

Bill Falcão disse...

Cada vez mais inspirada, hein, dona Maria?
Bjooooooooo!!!!!!!!!!!!

Bárbara disse...

Tá contando a minha história é? hahaha